quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Tempo mudando

A vida vai mudando feito o tempo esta tarde e quando a gente se dá conta, bateu um vento, passou o minuto, viraram o momento e o astral, não é impressionante?, as semanas rendendo-se umas às outras e na troca do bastão trazendo novos acontecimentos e aspectos, feito ondas mesmo, por menos original que esta metáfora soe. Enfim, nada de novo, mas tudo mudando.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Esta tarde

Esta tarde levo comigo todos os que ficaram para trás, o Brasil todo, os amigos e os que não chegaram a ser amigos, os que não quiseram se associar, aqueles a quem me associei e a vida separou, levo comigo nesta tarde todos os lugares por onde passei, o pátio do colégio, a lavanderia da casa da Urca, o Jornal Nacional, os finais de tarde no verão, a vista da Baía, o globo terrestre do escritório do meu avô, meu pai jovem levando-nos para vê-lo jogar futebol aos sábados, a Galeria Menescal, Copacabana inteira nos anos 70 eu levo comigo, as cores estouradas das fotos confundem-se com tudo que levo comigo, mais o suco de caju Maguary, a lapiseira do meu avô, a letra caprichada, o primeiro beijo na Praia Vermelha, o primeiro namorado, a caixa pesada do violão, o sinal chamando para a hora do recreio, o Rio de Janeiro no inverno, a sensação de abandono quando começava a anoitecer, tanta coisa que levo comigo, as rabanadas no Natal, as viagens de carro para Santana do Deserto, o Baixo Gávea, a letra arredondada nos cadernos do colégio copiando tudo que o professor dizia, tudo isso e mais o João e nossas lembranças, nosso passado sagrado, imprescindível, perfeito em todos os equívocos cometidos, perfeito até em todo o tempo perdido e recuperado aqui, nesta tarde.    

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Não tinha reparado antes em você?

Você dança com o acordeon nos braços e sorri meio tímido, como se não quisesse gastar ali todo seu charme, só pra gente e pras outras cinco mil pessoas diante do palco esta noite. Acho que reparei em você logo na primeira vez, noutros camarins, noutros momentos da vida. Mas hoje a noite é de eclipse e a lua vai sendo abiscoitada pela sombra que a terra faz na frente do sol. Em todos nós a sensação de que a noite é especial. Você dança como se fosse dono da vida. Não tinha reparado antes em você? Você vem como o eclipse e, assim como vem, já foi, encontrar com umas meninas: “hoje ela veio sem namorado”, você diz animado para um dos amigos da banda, e sai camarim afora, na direção da noite, deixando escorrer um sorriso pra mim. A terra avança, a noite inspira e a lua se enche novamente, dona do céu.

Fim de tarde em Portimão

O sol se põe por trás do hotel Casino em cujo topo vêem-se as bandeiras da Alemanha, Inglaterra e França. Mais cedo, na rua, pedindo indicações acabei agradecendo com um tímido “danke schon” ao esforço feito por um cidadão que passeava com um cachorro e que simplesmente respondeu em alemão às minhas perguntas feitas em português. Almoçamos com catchup e batatas fritas cercadas de estrangeiros da pele branca, bebês de olhos azuis e adolescentes que repetiam sanduíches enormes. O cafezinho tomamos com Tia Elza e Ju, um oásis de inspiração e verdade, noutro restaurante rigorosamente igual ao nosso. Na piscina de crianças, Manuela: “vamos morar neste hotel, mamãe?”. Daqui da varanda do quarto, vejo a rua cheia de lojinhas onde vendem-se havaianas, anéis de prata, saídas de praia estampadas, sorvetes coloridos e turistas indo e voltando, pra onde, meu Deus? Tudo menos paz, mas é ótimo ter vindo. Misturada com os muitos barulhos da rua, do ar condicionado dos quartos e da televisão, vem lá do jardim uma gravação chiada de Rui Veloso, “mooooostra-me o teu lado lunar”, dando sentido à tarde.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Tenho tudo pra me apaixonar por você

Eu tenho tudo pra me apaixonar por você. Todos os elementos fundamentais pra executar esta missão dentro da maior ciência e eficácia: tenho meu olhar arredondado e os cachos do meu cabelo, tenho o ar de verão e o sorriso parado no rosto retornando o seu, tenho nos olhos o detalhe discreto da sua camisa com o botão aberto, tenho no armário todos os vestidinhos necessários pra passear com você de mãos dadas na beira da praia, tenho a maior curiosidade do mundo pelas histórias que você conta, tenho as tardes de frente pra janela, tenho na memória os músculos dos seus braços quando você os cruza sobre a cabeça e, distraído, conta-me alguma coisa que julgarei fascinante, tenho a sensação de proximidade, a vontade de pegar no seu braço quando encosta no meu, o interesse por tudo que vem de você, tenho o mesmo tamanho, o mesmo sentido de humor e o mesmo tempo para as coisas, além, é claro, da admiração profunda e da mesma sensibilidade para as pessoas. Como se tudo isso fosse pouco, tenho a sensação de um encontro importante, de algo acontecendo que ainda não tem nome; parece uma brisa, parece o próprio verão chegando, (o sol quando chega não faz barulho). É lua cheia em Agosto, um cachorro late longe, a noite ferve. Tenho tudo pra me apaixonar por você.

João

Tenho pensado muito no João ultimamente. É impressionante como alguém pode estar tão perto estando ao mesmo tempo tão longe. 

Back in 1999 - 2, um tanto cafona

 Ao contrário de outros amores, que vêm para gerar filhos e inaugurar laços familiares, ensinar a vida, mudar destinos e comportamentos, ou simplesmente para dizer algo de novo e/ou de fundamental para alguma das partes envolvidas, aquele amor veio pelas mãos de uma única razão, chegou com um só adjetivo, que era amor amor, que era ter na prática amorosa seu próprio fim, a saber: amar e ser amado na mesma medida. Era um amor aterrissado em final de milênio, prenunciando caminhos infinitos de onde não seria possível sair, já que só de estar ali, aconchegado, amor amor, já cumpria sua função essencial de ser um amor que só queria amar e ser amado.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Back in 1999

Você me olha como se nunca tivesse me visto antes, como se procurasse dentro de mim alguma coisa e tanto que às vezes fico até sem graça mas então me lembro que você me olha mesmo é distraído e esquecido de que os olhos são meus e vivos, como se você olhasse para uma flor, um copo de cerveja, um anel que acabamos de comprar juntos e então é assim desse jeito que você me olha mas por outro lado é também assim que você olha para os outros e com esta mesma atenção faz todos pensarem que você está vendo outra coisa dentro dos olhos deles, como se olhos, objetos e livros e todo o resto que houvesse no mundo para ser visto por você funcionasse como um conjunto de pequenos espelhinhos onde você buscasse o reflexo de uma verdade sobre você mesmo; é esta verdade que procuro dentro dos seus olhos, quando vejo os meus espelhados nos seus, esta história que reviro nas linhas da sua mão, nas marcas do rosto, nas histórias que você repete há anos e eu morro de achar graça como se as ouvisse pela primeira vez.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Filme americano

Saímos da pizzaria e somos quatro dentro do carro ouvindo The Cure, alguém diz, "estou me sentindo com 18 anos", o vento de verão atravessa a Marginal enquanto cortamos as rotundas e fazemos planos para o fim de semana, para o casamento da Agatha, vemos o futuro como se fosse um filme americano. Está tudo bem, afinal, o tempo passou por nós como se nada. Chego em casa para ver a novela do João, os amigos, as histórias, os sotaques, o Brasil. Tudo tão longe, tão perto, tão bom.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Na quinta da avó da Marina

À noite, a casa vazia. Meu bebê foi passar o dia na quinta da avó da Marina... E ficaram para dormir. Uma coisa.

Festa do pijama

Domingo à noite deixamos a avó na Santa Apolônia, a carinha de choro, "eu quero viajar com a vó", e afunda o rosto na minha barriga, a avó se rasga toda, entramos no trem, a avó mostra a cabine, o vagão restaurante e na hora de saltar, os olhinhos espichados de novo, "eu quero viajar com a vó", ela insiste sofrendo; despedidas e de mãos dadas cortamos a gare de volta ao carro, "que tal fazermos uma festa do pijama, mamãe?", a impressionante capacidade de recuperação. Claro que sim, vamos fazer pipocas, tomar sorvete, "as pipocas acabaram", (ela controla os estoques), não faz mal a gente compra. Ainda domingo à noite, banho tomado e cabelo lambido, camisola da hello kitty, a minha camisola de pele de ovo comprada há mais de dez anos no mercado da prisão no Rio Grande do Norte. A brisa de Natal percorre a sala, atravessando o Atlântico: ela assiste desenho deitada no sofá, no colo o bowl das pipocas, o saco de batatas fritas e o pacote de gomas. Levanta-se sozinha e vai buscar um sorvete no congelador. As pipocas dançam pela sala conduzindo meu coração.

sábado, 2 de agosto de 2008

No céu

Branca de neve assiste ao desenho das oito e meia da noite: "eu posso porque tou de férias, né, mamãe?"; depois do jantar já foram dois mini sorvetinhos, a boca lambuzada de chocolate até irmos escovar os dentes, no espelho as bochechas rosas da piscina no fim da tarde. Mais cedo, saindo do restaurante, "quando eu for velhinha a mãe já vai estar no céu...", sequer me dá tempo de replicar e avança: "mas depois eu vou pro céu pra encontrar com a mãe e vamos ficar grudadas para sempre, né?". Diz isso e sai correndo para a avó. Tiro fotos das duas dançando na praça, brincando de frente para o mar. Abrem os braços fazendo pose e riem com vontade. Um restinho de tristeza dentro de mim se desmancha de vez nas risadas das duas. Pegamos o carro para atravessar a ponte. O dia é quente e o céu, aqui.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Vinte anos esta noite

A noite é fresca e larga como o sorriso tranquilo da moça de Angola que nos serve a mesa. As conversas dançam em torno dos mesmos assuntos enquanto pessoas passam e sorriem para nós. Ganhamos a rua, o rapaz para mim, "linda", ele diz. As ladeiras são só nossas e as cervejas, geladas. Dani encontra Tomás e esta frase é cheia de significados.  Damos piruetas e saltinhos na pista de dança enquanto uma menina planta bananeira sobre o sofá. "Vamos sair daqui", Dani lidera. Subimos e descemos ladeiras às gargalhadas. Reacendo-me como as rosas da primavera neste Agosto que se inaugura agora. "Está tudo certo na nossa vida, né?", Dani conclui. Tenho vinte anos esta noite.