quarta-feira, 30 de julho de 2008

Hora do almoço

Ele chega com histórias: "passava todos os dias por este jardim quando ia trabalhar", e mostra a foto: a praça arborizada em frente da casa onde ele vivia sob uma luz que só Paris conhece, tudo parecendo o cenário de um filme, ele, o jardim, a tarde; depois ele me conta das três velhinhas com quem conversou na Irlanda, estavam sentadas, cada uma em sua cadeira, olhando a paisagem, "no meio do nada", ele ressalta, e vejo novamente cenários, imagens, histórias. A conversa avança: pedimos a sobremesa e ele diz que já viajou de trem decidindo o destino no vento, que domingo foi ver Batman e que uma vez na Escócia pegou oito caronas (ele diz "boléia") para chegar a Edimburgo. Na hora do café, ele ensina que na escola da psicologia européia não é permitido ter vivido a mesma dor que os pacientes, "para ter o distanciamento suficiente e poder tratá-los". Jura?, eu muito curiosa. Ele continua: "a escola norteamericana é o contrário: é aceito ter passado por aquilo para poder entender e tratar estes pacientes". Pedimos a conta, ele fala uma besteira qualquer que me faz soltar uma gargalhada. O tom da tarde é de encantamento. Não sei quase nada sobre ele.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Saindo da casa da Cris

Saímos da casa da Cris nos protegendo do poderoso vento do verão, "virou até o lixo da rua, você viu?", diz a Cris durante o jantar. "A cachorrinha tá nervosa, mamãe!, ela está trancada no quarto", explica Manuela, radiante com o programa num domingo à noite. Amigos em volta da mesa, bacalhau com natas, vinho e cheesecake de sobremesa; as conversas giram em torno de relacionamentos e a fórmula mágica para o seu sucesso até concluirmos que não existem regras nem receitas infalíveis. Redescobrimos a pólvora e ficamos muito satisfeitos com isso, enquanto Zé se declara o rei do grupo da coca light, "mas você está bebendo vinho", alguém resssalva, "eu sei mas mesmo assim eu sou o rei do grupo da coca light", e ri. As palavras dançam sobre a mesa enquanto Fabiana diz, "mas você não está aqui como meu pai, mas sim enquanto amigo", o pai ouve, sorri, mas cada frase que dirige a ela começa por um "minha filha" tão doce quanto o cheesecake que compartimos, e é tudo tão verdadeiro neste domingo de verão. Vamos para casa, Manuela com um saco cheio de balões debuta na noite aproveitando as férias, o cheesecake era de iogurte: novos sabores e amigos, o verão subitamente recomeçando do zero, nova sensação de pertencimento a uma realidade maravilhosa chamada vida.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

A gente realmente se recupera

O impressionante é que a gente realmente se recupera até daquelas coisas que a gente achava que não ia superar nunca, um belo dia a gente acorda e... passou!, simplesmente passou toda aquela dor, saiu a areia dos olhos, foi-se a sensação de estar andando dentro d´água, derreteu o peso nas pernas e acordar vira simplesmente acordar, recuperando o tempo de antes, a alegria singela de beber um copo d´água fresca no verão; será maturidade o nome; será descobrir que a vida é um dia depois do outro e isso é tão redundantemente cafona que vou fingir que nunca fiz esta frase. Sexta-feira de manhã, chakras ativos, a vida toda pela frente.

Vai dormir

Eu digo "vai dormir", ela pergunta se pode dormir na cama da mãe, eu digo que sim, ela deita, eu apago a luz, "boa noite, mamãe", saio do quarto para o computador e logo depois a carinha na porta do quarto, "eu quero ficar com a mãe", eu digo "vai dormir", "mas eu quero ficar com a mãe", esse diálogo se repete seis, sete vezes, até que argumento, "deita aqui na cama da vó que dá pra você ficar me vendo", ela hesita mas acaba concordando até porque era isso ou ir dormir sozinha no próprio quarto, eu viro pro computador enquanto ela se deita na cama da avó, a porta aberta para poder ficar me vendo, mesmo de costas!, que amor é esse, meu deus, como posso virar às costas a este amor do tamanho do mundo inteiro, giro a cadeira de rodinha pra ver se ela dormiu e, ao ver a cadeira girando, a cabecinha levanta, um sorriso explodindo na cara redonda e rosa da minha menininha, são onze da noite, ela tem colégio amanhã, mas não consigo brigar: é amor demais.