terça-feira, 2 de setembro de 2008
Cláudio
Comemos bacalhau com azeite e dividimos uma faca para cortar os figos de sobremesa, conversa vai, conversa vem, forramos a mesa e as cartas são dadas quase como se não percebêssemos que começamos a jogar. Três de copas, valetes de ouros, muitos quatros são descartados e dançam pela mesa. Mamãe e Cláudio lembram de um ataque de riso há muitos anos atrás, enquanto passeavam pelas ruas da Urca e riem tudo de novo, depois lembram dos dois sacos cheio de patos com que inundaram o lago da Fazenda, "ele encheu dois sacos com patos e ia tirando os patos de dentro dos sacos e jogando os patos dentro do lago!", mamãe explica. Manuela joga na quarta cadeira com seus jokers, tentando participar da brincadeira. Tomamos café, falamos da vida, enquanto tiramos a temperatura obsessivamente para constatar: 37, 37, 37. "Gente, eu tou com 37 graus!, chega", ele diz, rindo, e completa: "eu não morri", e todos rimos, até chegar o Nelson mais tarde. E pedir pra tirar a temperatura de novo. Jogamos mais uma rodada, Nelson dá palpites sobre os jogos de todos nós. Cada um come banana de um jeito: na casca, amassada com mel ou amassada com canela e adoçante. Amasso a minha e a do Cláudio. É meia noite quando nos abraçamos com força e lá saem os dois pela porta. Todos os tipos de amor: sentimentos verdadeiros, de vida inteira, transbordam.
Sentada na escada
Carinha amassada, acabando de acordar, ela senta na escada: "Posso ir trabalhar com a mãe?", o último dia de férias, a vida amanhã voltando àquilo que chamamos normal, muito entre aspas, aliás, a vida toda entre aspas, neste período em que parecemos estar flutuando, à espera de um algo misteriosamente importante, às portas de um espetacular acontecimento que fará virar a vida feito o tempo no domingo à tarde: a baía de Cascais, crianças com algodão doce, Manuela com um balão em forma de borboleta deitado pela força do vento, tiramos fotos de frente pro mar, avó e neta abraçadas sorriem pra mim, parece fim de filme quando tudo acaba bem e sobem os créditos ao som de uma música doce, suave, aconchegante. As férias chegam ao fim e as revejo em flashback, cada passeio à noite: "a Manuela está saindo à noite", ela impressionada, feliz. O peso de cada palavra que lhe é dito, a alegria de cada sorvete. Digo pra carinha: "Hoje não, florzinha, hoje a mãe vai ter muito trabalho". Ela fica sentada na escada, eu fecho a porta.
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